aqua park

o aqua park não é o que é
por causa do tobogã

o aqua park não é o que é
por causa do trampolim

o aqua park não é o que é
por causa da piscina de ondas

nem da lanchonete
nem do barco do amor
nem do tanque dos golfinhos

o aqua park é o que é
porque lá ninguém tem medo
de se molhar

ilustra: Victor Heringer | automatografo.org

3 textos 1 desenho


não deixe o blog morreeer / não deixe o blog acabaaar /
a internet foi feita de blog / de blog pra gente blogaaar

I [sanduíche]

tem coisa que dá muita fome - tipo ficar uma semana sem comer

aí você se lembra de que a necessidade é a mãe da presença

já a teoria de categorias ensina: o negócio é pegar solução de um campo e aplicar em outro

como por exemplo o george foreman, que era boxeador e foi buscar a solução no grill

daí fica fácil perceber que tudo pode ser sanduíche

é sempre assim: primeiro a gente inventa a tecnologia, depois ela inventa a gente

por exemplo: podia ser uma fatia de pão no meio de dois bifes, dá no mesmo

mas isso ainda é muito conservador, e depois você vê que você, seu amigo, pasta de amendoim e uma cabra besuntada em óleo, tudo é sanduíche

o relativismo absoluto há no entanto que ser combatido, mas onde traçar a linha: tem que dar pra comer? tem que comer pra dar?

enfim, pensar fora das fatias de pão, foi assim que michael jordan descobriu o moonwalk.

II [entende?]

acho cazuza superestimado à beça

mas aquele verso, "fica esperando alguém que caiba no seu sonho"

é muito útil - e não só pra dar beijo na boca

pense nas palavras: vai deixar de dizê-las

só porque você mesmo não sabe se entendeu?

se for esperar entender tudo antes de abrir a boca

são cem anos de silêncio

ou a ilusão de que quem te escuta

entendeu o mesmo que você achou que disse

quando disse o que achou que entendeu

do mesmo jeito que só entendi semana passada

aquela velha canção do caetano

tem música minha mesmo que entendo de novo ou bem depois

"mercado negro", por exemplo, existia muito antes

do black friday, e todo dia eu entendo outra coisa

então ficar calado é bom, é muito bom

mas às vezes falando sem saber ao certo

o outro vai saber quem eu sou, ou não

sem ter que pagaaaar a conta do analis-tAAAA

nem ouvir cazuza

nunca mais

nunca mais

III [mucosas]

era uma vez um amigo
que ia se casar com outro

animado com os preparativos
o amigo me confidencia:

dimitri, assinei o canal pornô
mas, amigo, passa muito filme gay no canal pornô?

não, não passa nenhum
então...?

ah, a sexualidade humana
é muito variada

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moral da história:
você vai mesmo julgar o pvt do alheio?

moral da história:
essa história é antiga; tv a cabo acabou

moral da história:
amoral da história, imoral da história

rocha: modo de usar

certa vez em um museu
de algum país estrangeiro
vi uma obra que não era senão
uma enorme pedra disforme
toscamente lapidada
postada no meio do salão
fugi de lá correndo
e desde então evito entrar em museus
não que a tal pedra me causasse asco
mas pelo receio de não resistir ao desejo - não: necessidade imperiosa -
de passar o resto da vida buscando enormes pedras disformes
e as desbastando uma a uma com minhas mãos nuas
hoje estive em um museu
eis aqui a rocha nova
eis aqui meus dedos rompidos
calos, cortes, sangue
o que dá medo na altura não é o risco
da queda mas sim
a vontade de pular

hey jack

24/7

the following takes place
between your birth and your death

events occur in real time. 

ilustra: leonilson

dia de sol no clube silêncio

é um clube? há piscinas. pequenas, duas, três. crianças brincam. há também uma plateia - fileiras de cadeiras em degraus suaves. à beira das piscininhas, a céu aberto, sob o sol. do outro lado das piscinas - bem perto - montou-se um palquinho: caixas e mesa de som, amplificadores, bateria, microfones. uma banda evangélica infantil começa a tocar, para alegria de muitos dos presentes. afasto-me das piscinas e subo à última fileira da arquibancada. enquanto subo, caetano veloso assume o palco. começa por contar que viu "o grupo escocês belle & sebastian fazer uma versão horrível de sua (dele) música 'baby'"; que, "se estavam tentando conquistá-lo, os belle & sebastian tinham errado de cara numa coisa: o batom."

nesse ponto chego lá em cima - pra falar com silvia, que está com juli e outras amigas (eu as havia encontrado mais cedo em casa). mas estão na outra ponta da fileira, terei que passar entre as cadeiras pra alcançá-las. nas primeiras cadeiras da ponta de cá encontro marina e tio hely. bem na hora em que caetano vocifera sobre o batom errado dos belle & sebastian. atenta ao palco, marina me cumprimenta brevemente e se levanta pra me dar passagem. em seguida passo por tio hely que, vestindo uma camisa de listras verticais brancas e vermelhas, observa caetano entre intrigado e mau-humorado. tio hely já morreu, então acho melhor falar normalmente com ele; de outro modo, estranharia eu não falar, talvez se desse conta de seu engano de condição - vivo por morto - e sumisse de novo. - e aí, tio? tá nervoso, ele, né? tio hely arma seu típico sorriso jocoso de canto de boca. - tá, né, meu filho? nervosinho ele. e ri.