terra de cego

putaquepariu, perdi meus óculos.

pena, eu gostava muito deles: meus primeiros com armação de aro grosso, compunham a minha cara que os outros viam - e me ajudava a enxergar as caras dos outros - há quatro anos. comprei-os pouco antes de ir à Europa pela primeira vez, em 2002 (ok Dimitri e caros leitores: sem simbologias, analogias ou ave-marias, por favor).

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a tragédia (!) aconteceu em algum ponto entre a Unirio e a Morada do Sol; um trajeto curto, mas com bastante espaço pra se perder um objeto pequeno...

eu tinha acabado de ter uma ótima notícia - a de que, assim como eu, os professores não estavam a fim de voltar às aulas esta semana, e todos deixaram bilhetinhos num mural ou nas portas das salas, anunciando em bom Português: "tem mas acabou. hoje só amanhã. volto depois do carnaval." etc.

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voltava pois para casa, serelepe e cantarolante (aliás eu ia postar só letras de músicas aqui), já formulando os dois emails importantes que eu poderia escrever, aproveitando o tempo ganho.

daí, num passe de mágica (de má mágica, por sinal, má e boba e feia), pluft!* entrei em casa, e já não tinha lentes para encarar a tela do computador.

[*copyright Maria Clara Machado]

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daí meu tempo ganho virou tempo conscientemente perdido, empregado na busca, com pouca esperança de êxito, por meus queridos óculos, naquela base do refazer-meu-caminho-e-perguntar-pro-porteiro-jornaleiro-policial-camelô.

andei tudo de volta atéé a Unirio, onde usara os óculos pela última vez, perscrutando o chão - primeiro ao acaso, depois focando nos gramados e arbustos próximos a ligeiros obstáculos de terreno, porque imaginei que os óculos teriam caído do meu bolso numa parada pra amarrar o sapato, e que era preciso que tivessem aterrisado sobre uma superfície fofa, pra eu não ter ouvido o barulho (a despeito de o meu ouvido esquerdo estar ruim, mas isso é outra história).

no entanto toda a minha dedução, desta vez, não deu resultado. e todas as pessoas consultadas estavam como eu: ninguém viu nada.

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aliás, por essa altura comecei a pensar na ironia de estar procurando um par de óculos, sem enxergar direito, sob a luz cada vez mais fraca do entardecer nublado, bem em frente ao Instituto Benjamin Constant.

num dos meus livros favoritos - "os amores díficeis", do Italo Calvino - tem um conto chamado "a aventura de um míope". nele, um cara que se mudara para a capital do país retorna, depois de anos, à sua cidadezinha natal, para uma visita. e logo, passeando pelo calçadão local, se lhe apresenta um dilema: quando ele está com seus grossos óculos, que não usava antes de mudar-se, ele reconhece os antigos camaradas - mas estes não o reconhecem; já se caminha sem os óculos, é reconhecido e cumprimentado - mas não consegue identificar por quem!

presa desse paradoxo, ele perfaz por diversas vezes o percurso do calçadão, ora pondo, ora tirando os óculos, hesitando entre o temor e a esperança de reconhecer ou não, ser reconhecido ou não, por um amor de sua juventude...

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pensando nessas coisas e cantarolando outras melodias, voltei pra casa sem os óculos, após receber pelo caminho a solidariedade e consternação de todos a quem perguntei se, por acaso, não tinham recebido uns óculos extraviados.

parece que o ser humano ainda é capaz de se solidarizar com os pequenos dramas comuns de seus pares. :]

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pena, mas, fazer o quê? fazer novos óculos, que digitar isso aqui sem eles está uma tortura.

quem sabe a famosa conexão direta da Tia Augusta com São Longuinho ainda não promove o reencontro entre mim e meus amados óculos retangulares?

enquanto isso, nem espera, nem lamento: vou aproveitar que, afinal, não tenho aula amanhã (oba!), e darei um pulo na diminuta Ótica Santa Luzia, a ótica mais buena onda do Rio (bem, pelo menos por minha experiência, de mais de uma década :) .

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beijos e abraços aos caros leitores. espero que todos estejam lendo este texto com menos dificuldade do que eu! :]

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alguém viu meus óculos por aí?
tentei usar esse jacaré ao invés deles,
mas não tem o mesmo efeito


pingar limão também não resolveu


digam aí se a gente não fazia um belo par


2 comentários:

Dimitri BR disse...

:D

"...a paisagem se nublando, o seu nariz ficando leve..."

Dimitri BR disse...

Cara Bia-triz:

5. seu astigmatismo deve ser brm fraquinho: eu tenho 2,5 em cada vista, E 0,75 de miopia, só pra aumentar a diversão.

assim, pode acreditar que ficar sem meus queridos óculo é realmente - atenção para o trocadilho à paulista - o maior embaço.

4. fiquei curioso para saber qual situação/personagem hilária lhe ocorreu à menção do nome de minha excelente tia-avó, a sensacional D. Augusta Aurélia Sidrim Barata, senhora internauta e freqüentadora assídua dos shows do 3a1.

1. sobre a outra fantástica senhora, a infelizmente já falecida Maria Clara Machado e o seu maravilhoso Pluft!, acho que vou até fazer um post rapidinho.

e obrigado pelo solidário beijo. mesmo sem óculos, pude ver que ele era sinceríssimo.