NOTA DO EDITOR:

há algumas semanas o meu amigo Mantovani, com quem escrevo o folhetim Jamais sentirei fome novamente - que por sinal está bombando, quem não leu ainda, passe lá pra conferir! - me consultou por email acerca de um assunto delicado:

o que fazer com um rato morto que começava a apodrecer no seu quintal?

[outro dia a pergunta era sobre valium; e antes sobre o horário de um festival de dança; adoro ser procurado para consultas aleatórias! dúvidas de Português, sugestões para presentes... e eliminação de restos mortais de roedores indesejáveis]

por algum proustiano gatilho da memória, considerar a respeito do tal rato me suscitou uma série de lembranças, associadas de maneira bastante tênue e oblíqua ao tema original - lembranças essas que transmiti ao Mantovani com uma tal riqueza de detalhes e referências, que o email agora vira post, transcrito na íntegra abaixo

e tratando, como vocês poderão ver, de anos 80, pedagogia cabeça, desenhos new-wave , minha estréia na música, cultos esotéricos, Legião Urbana... e até mesmo

de como remover um rato morto do seu quintal : ]

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onde você estava em novembro de 1985?

quando eu tinha 9 anos, meu colégio (cujos alunos mais velhos e repetentes tinham 11-12, pois só ia até a 4ª série) organizou o I Festival de Pequenos Grandes Músicos do Instituto Santo André.

Pediram então que os alunos interessados em cantar se inscrevessem (não tinham a pretensão de que ninguém soubesse tocar, embora jurassem que a iniciativa mesma do Festival viera da constatação de que muitos alunos cantavam e até compunham músicas).

Não era o meu caso; como se sabe (?), naquela época era certo que eu seria escritor, ou cientista, ou, no máximo (nessa ordem), dramaturgo ou ator.

Devo ter considerado cantar, morrido de vontade, de fato não me lembro; mas a timidez incipiente, e a falta de uma boa desculpa pra ir ao palco (eu que não ia estrear cantando cover rrs!) me fizeram encerrar o assunto como 'fora de cogitação'.

Resolvi, contudo, participar em outra de minhas áreas de atuação - enviando um desenho para a seleção de cartazes do Festival.

[porque haveria cartazes, impressos coloridos numa gráfica, e tal. acontece que apesar de pequena, ou por isso mesmo, minha escola era freqüentada pelos filhos da inteligentsia (é assim?) zona-sulense, enfim, você conhece a equipana ladainha: filhos de diretores de cinema, artistas plásticos e advogados polêmicos.]

era o ano de 1985 (o pequeno Manti não estaria nem aprendendo a ler, não fosse o fato de que ele já o fizera, por conta própria, 1 ano e meio antes...), ano do Rock in Rio 1, época de lançamento dos principais fenômenos do BRock - os primeiro discos do Legião e Capital Inicial, o antológico 'Passo do Lui' dos Paralamas...

ano também de grande evidência do casal de metaleiros (?) Baby Consuelo e Pepeu Gomes, egressos da baianidade via guitarra punheteira de um, histeria vocal da outra, e cabelos coloridos de ambos.

período de evidência, também, da bizarra seita/culto do Thomas Green Morton (será que é assim?), o cara do 'RÁ!'

[acho que você tá ligado nesse lance de RÁ!, acho que já falamos disso; se não, fica mais difícil um pouco. calma que o rato já vem.]

pois bem. havia ainda no Rio uma marca de surfwear (que naquele tempo não se chamava surfwear, pelo menos não fora de campeonatos de surf) chamada 'Rato de Praia'. e o que era o tal rato? nada mais que uma espécie de 'big johnson' carioca (meu deus, é uma miríade de referências), um rato humanóide e bem feio, com cara de... bem, de rato-de-praia, envolvido em situações maneiras - entubando a onda, pegando mulher, etc.

como bom nerd, eu adorava aquela coisa escrota e marrenta, 'tudo o que gostaria de ser', snif (não é bem assim! rrs), mas enfim: misturei essas coisas todas em minha poderosa mente criativa de 8 anos e...

ACHEI O SLOGAN PERFEITO! (a palavra e o conceito de 'slogan' eu aprendera com o marido publicitário de 'A Feiticeira')

desenhei um arremedo de Rato-de-praia, vestido de metaleiro - o desenho era mero veículo pra 'genial' idéia do slogan - e lasquei um balão enorme:

- RÁ! TÔ NO FESTIVAL!

incríível, não.

...a partir daí a parada degringola de uma forma que você, como talvez poucos outros camaradas, poderá compreender em sua plenitude. Lembra a gente falando dos ridículos causados pelo puxa-saquismo de professores em relação a alunos superdotados-superinteressados - isto é, nós?

pois bem: várias pessoas entregaram seus desenhos, na escola todo mundo desenha, e tal, mas eu estava certo da escolha do meu.

só que, de última hora, tiraram a decisão das mãos de meus admiradores - o corpo docente - e instituíram a democracia, a sempre maldita democracia (que também era bola-da-vez no Brasil de 1985!), naquela ocasião representada por uma exposição com uns tantos desenhos pré-selecionados pelos professores, devidamente numerados, para que cada aluno preenchesse, ao final de sua visita à exposição, uma cédula, a ser depositada numa urna colocada ao lado da porta.

aí já viu né. ao final de dois dias de votações, no turno da manhã e da tarde, o resultado afixado declarava vencedor um desenho de uma mulher new-wave com umas notas musicais voando, feito pela Luisa Marcier - a menina mais mudernosa do colégio, 'velha' da 4ª série, que inclusive cantou no Festival, com umas perucas prateadas e rosa-shock, e hoje em dia é figurinista, já tendo feito, por exemplo, aquele paletós gigantes que o Latino usava na época do "Me leva"!...

o rato de nosso herói figurava lá, com seu desenho tosco e seu genial slogan, em segundo lugar.

e aqui é preciso que reflitamos mais uma vez sobre a inconseqüência que rege as ações de determinados profissionais de ensino.

como é que pode aqueles ADULTOS, supostamente iniciados das pedagogias da vida, como é que pode eles chegarem pra uma CRIANÇA DE OITO ANOS, pra mim, e dizerem algo como: "nós já tínhamos escolhido o SEU desenho, mas agora vamos TER DE fazer o cartaz que foi mais votado."

eu fiquei inconformado, é claro; se não me engano sugeri que fossem feitos os dois primeiros, ou que os professores mandassem a democracia tomar no cu - embora, num incrível desprendimento para mim na época, eu tenha reconhecido que o desenho da menina era legal.

(...não mais que o meu, é claro.)

porra! se aquela era a postura dos profissionais que deveriam estar contribuindo para minha formação! certamente que contribuíram, mas diga lá, Mantovani: quantos anos de Equipe você precisou, quantos de Tablado e CAp eu levei, quanto tempo de vida a gente precisou pra descobrir que não era assim que a banda tocava, e parar de tentar cometer suicídio social?

[estamos em 2003 e ainda ontem comentávamos, empolgados, de como era bom estar escrevendo em conjunto, sem auto-suficiência, construindo algo que nos pertence e representa a ambos. eu tenho agora 27 anos; não que eu tenha levado até ontem, mas que demorou, demorou, né.]

é provável que esse episódio tenha contribuído para que eu vencesse a timidez E o II Festival, no ano seguinte, na categoria 'melhor música' - a interpretação era mero veículo, de novo... nesse II não houve concurso de cartazes, e apenas foram permitidas composições próprias (da molecada de 3ª e 4ª séries, e de um único bravo pirralho da 2ª!)

ao levar o prêmio deixei pra trás meu amigo Pablo - vencedor do ano anterior, compusera dessa vez um samba-canção de forte apelo popular, sobre a despedida e separação ao final da 4ª série (cara, que crianças éramos essas?!), nos moldes do então recém-lançado "o que é, o que é?", do Gonzaguinha (houve inclusive quem acusasse o Pablo de plágio.)

o Pablo tocava piano erudito desde os 4 anos e cantava no Coral do Theatro Municipal (inclusive ele hoje em dia é compositor, formado pela Unirio e tal); ele tinha certeza de sua vitória, embora ficássemos, eu e ele, num joguinho de hipocrisias ("que é isso, a sua música é melhor", "não, é a sua!"...)

resultado? bem, até hoje ele está convencido de que foi injustiçado, e achou alguém do júri (terá sido a Luisa Marcier? puseram alguns ex-alunos no júri, aquele ano) pra lhe dizer que ele só não tinha ganho por não terem querido premiá-lo dois anos seguidos, etc...

outra vítima do sistema de ensino.

[...mas é claro que a MINHA MÚSICA ERA MAIS LEGAL! huahuahuahua]

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ah! e quanto ao rato morto no seu quintal??

cara, eu vejo a coisa dessa forma: se o rato está morto, não há muito problema. descole dois sacos plásticos, ou luvas, e vá em frente. localize o cadáver, ensaque o bicho, deposite diretamente no local de coleta, se possível, ou num saco maior já no ponto de fechamento, e vá tomar uma gostosa ducha, ouvindo música.

há indícios de que possa haver outros ratos? em caso afirmativo até caberia contratar alguém para o serviço - é claro que você pode contratar alguém, dá pra contratar alguém pra fazer quase qualquer coisa hoje em dia; a questão é qual o profissional adequado para a tarefa. minha sugestão? convoque um faz-tudo com especialização em jardinagem (atende pelo nome de jardineiro). e dê a ele um veneno de rato, previamente comprado no centro de SP. Ele vai capinar, fuçar, recolher o rato morto e espalhar bolinhas de veneno (atenção: NEM COGITE se houver outros animaizinhos envolvidos.) melhor ter um outro rato morto, que um novo rato vivo. e ainda dá um trato no seu jardim.

a solução mais legal? chame o Alfredo. ofereça um rango, umas brejas, um jogo e um papo a ambos vocês, e partam unidos e risonhos para enfrentar o rato. (o Duique mora mais perto e removeria o rato sozinho, mas possivelmente jogaria terra em você gritando que era o rato morto.) ou diga pra uma das meninas te acompanhar, de longe. nada como abdicar da auto-suficiência, né?

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quanto às modificações no site, adorei. vamos em frente, e estou te esperando daqui a uma semana pra fazermos a filipeta, não sei se com cola e tesoura, mas juntos (quem sabe até com a Silvia; se ela puder, tenho certeza de que ajudará, e seria uma boa ajuda... a Graziela idem, especialmente se formos, de fato, usar tesoura e cola, e não 'copiar' e 'colar'.)

besos muchos

Dimitri

RÁ!

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