coincidências

1 - eu vezes eu

como alguns dos leitores devem saber, eu tenho dois heterônimos em atividade mais freqüente, e um deles é o Theo (nome que eu teria se não me chamasse Dimitri - ou Silvia, é claro).

por isso, e porque adoro coincidências [encontros às cegas, né Marília], fiquei muito intrigado e divertido ao encontrar na net este texto:

A Ponte

no qual os personagens principais são dois meninos chamados Dimitri e Teo. é mesmo muito simbólico, se você considerar a minha posição de quem assiste a um diálogo entre mim e eu mesmo;

e ainda por cima, tem lá o hum:

"Reparou como os adultos sempre dizem 'hum' quando pensam? (...) Não entendo como essa palavrinha pode ter tantos significados",

diz a certa altura o Teo (ah é, o Teo de lá é sem 'h', o meu é com. o meu e o do Ney Matogrosso. huahuahua).

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2 - encontro às escuras

'encontro às cegas' é o nome do primeiro livro de poesias da Marília (Garcia), publicado na coleção Moby Dick da ed. 7letras (embora esta referência editorial não vá ajudar muito, visto que a tiragem esgotou há muuuito).

estava em São Paulo (morava lá) e a Marília foi fazer uma pesquisa. nos encontramos e discutimos muito o acaso, os encontros fortuitos, as explicações mais ou menos místicas que diferentes correntes de pensamento dão a essas coisas, e o fascínio intrínseco que elas tinham para nós - eu e ela -, independente da atribuição à "forças ocultas".

pouco tempo depois Marília reuniu seus poemas sob o título de "encontro às cegas"; adorei.

Silvia foi ao lançamento do livro aqui no Rio e levou-me uma cópia, quando foi à São Paulo para nos apresentarmos (mais o Chirol e o Pallazzi) com o 'Samba Esquema Jorge', nossa banda interestadual de samba-funk.

toquei no show com o livro no bolso; dias depois, musiquei um dos poemas ['Ela não disse' tornou-se em música como 'problems and desire';

'problems and desire' era o que haviam lembrado Marília e Sofia, numa conversa sobre um filme do Hal Hartley - no qual o personagem grita, na verdade, 'trouble and desire! there´s nothing but trouble and desire!';

mas, como 'problems' passou ao poema, e como problems virou título da música.

...da música que fiz sem avisar a Marília, e gravei pra ela no meio do 'Jóia' do Caetano, que ela tinha manifestado desejo de ter.

o relato dela de seu estranhamento, de como ela até mesmo demorou a entender que o que estava ouvindo era seu poema, de como lhe foi difícil reconhecer aquelas palavras que ela conhecia tanto, esse relato foi um deleite para mim, foi uma das grandes recompensas que já tive por fazer uma música.

e por fazer surpresas. e coisas anônimas.

- porque afinal é por isso que eu tenho dois heterônimos com email, personalidade, etc.; seja por timidez, ou cabotinice, eu sempre gostei de secreto, de anonimato.

3 - o eterno retorno

por uma correspondência anônima iniciei uma das mais profundas amizades que já tive e tenho hoje:

foi sem meu nome, por cartas enviadas com a colaboração do Menor (então 'L. Ferreira'), que o 'namorado carioca cabeludo da Lucila' se aproximou do 'excêntrico gênio nerd gay e gago' Mantovani.

...Mantovani que foi casado com o Ricardo Domeneck - de quem me vi amigo, de forma surpreendente para ambos, no momento exato da separação dos dois.

...Ricardo Domeneck que estava comigo e Marília teorizando e exaltando o acaso num bob's da avenida paulista, ou num lançamento literário no bar balcão.

...Ricardo que, quando eu lhe contei "musiquei um poema da Marília", adivinhou de pronto: "foi 'Ela não disse'.".

...e Ricardo que voltava comigo pra casa, após uma longa noitada paulistana, quando fomos abordados por dois caras, numa avenida deserta já perto de casa. a princípio, pensei que iam nos xingar de viado, ou algo assim; mas eles quiseram nos assaltar.

eram prováveis iniciantes, ou mesmo oportunistas do roubo; não demonstravam o menor savoir-faire da coisa, atrapalhando-se e atropelando um ao outro ao falar.

e algo inusitado aconteceu: eu e Ricardo, muito envolvidos numa discussão metafísica qualquer, ficamos antes de mais nada irritados com aquela interrupção (!), e mandamos os caras irem embora! viramos-lhes as costas e seguimos andando, meio que sem refletir.

um dos atônitos candidatos a assaltante, numa última tentativa de recolocar os acontecimentos em sua ordem devida e prosseguir com o assalto, estendeu a mão e puxou o conteúdo do meu bolso traseiro.

eu não uso carteira. o que o ladrão puxou foi o livro da Marília.

Mais alarmado ainda, ele olhou confusamente o objeto inesperado que tinha nas mãos. chegou a abrir o livrinho e folheá-lo a esmo por um instante.

mas logo eu me virei e disse: "me dá isso, porra, é livro da minha amiga." peguei de volta o livro, viramos as costas outra vez e seguimos sem olhar para trás.

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pra terminar eu ponho aqui dois conteúdos poéticos citadas no post:

[ainda lembrei de 'você e você', composta pelo ministro Gil para o disco 'o sorriso do gato de Alice', e do repertório do 'Samba Esquema Jorge' (grande banda, um abraço pros companheiros de Esquema)]

eu vezes eu [Titãs]

Eu vezes eu
Espalhados em mim
Eu mínimo
Múltiplo comum
Eu menos eu
Do que resta de mim
Eu máximo
Único - nenhum

Ela, ele, vocês
Vezes eles, os outros
Eu e eu, outra vez
Nervo, músculo e osso

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Ela não disse [Marília Garcia]

dos dias em que esteve ausente
guardo a sombra dela
- sorrindo timidamente -
algumas letras
o sim que ela não disse
e seus silêncios profundos
querendo dizer nada,
talvez
problems and desire
there´s nothing but problems and desire

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