há algum tempo atrás (meu "há algum tempo" é ótimo: só faz distinção entre "há uns dois meses", "há uns dois anos", "antes/depois/durante de eu morar em São Paulo", e umas poucas outras datas...) há algum tempo a Bel Butcher me apresentou uma banda exótica: Anthony and the Johnsons.
éxotica, pra começar, porque a banda é na verdade um cara só (peraí: logo EU estou dizendo isso?!) e - principalmente - porque esse cara é muuuito peculiar: branquelo, bochechudo, com voz de mulher, empostação de coroinha favorito do padre e um vibrato inesgotável, que dá a impressão de que ele está sempre sendo sacudido pelos ombros, ou cantando debaixo d'água.
é bonito, o som. e um tanto perturbador, o conjunto da obra.
(enfim, sob medida pra Bel, fã devota de David Lynch...)
pois bem: eis que ontem (sexta) à tarde eu peguei um ônibus com o tal Anthony-and-the-Johnsons.
ou melhor, com o Seo-Antônio-e-os-Joões.
claro que num ônibus do Rio a gente espera de tudo - vendedores sem mercadoria, imitadores do Michael Jackson tocando bumbo, e certa vez viajei acompanhando uma jam session entre um violinista erudito e um grupo de pagode num 583 com luzes coloridas - mas confesso que nunca me passara pela cabeça encontrar o Anthonyandthejohnsons num 175. talvez Gabriel O Pensador, quem sabe, mas não o esdrúxulo Tony.
mas quem deparei ao entrar no 175 lotado (que peguei pra tentar escapar pela praia do trânsito da Barata Ribeiro, já que estava atrasado pra uma sessão de mixagem com Silvia e Carol Monte) foi justo o tal Anthony, versão brasileira Herbert Richards.
tratava-se de um senhor não muito velho - agora me toquei que mal vi a cara da figura! - que, indiferente à possível reprovação dos seus companheiros de viagem, cantarolava distraidamente um samba antigo (bem, pelo que sei o samba podia ser muito novo, podia estar sendo inventado na hora, até; do jeito que o cara cantava, qualquer coisa pareceria antiga).
assim que pude, sentei-me no banco bem à sua frente e, ao invés de (como o sujeito sentado ao seu lado) pôr os fones do discman (pois é, eu também sou antiquado: nada de ipod. mas meu discman toca cds de mp3, uau!) apenas abri um livro e apurei os ouvidos.
Seo Antônio cantava distraidamente, de si para si, por assim dizer, mas eu, como cantor de ônibus que já fui (ah, a empáfia adolescente!), reconhecia em alguns crescendos, em alguns mezzo-fortes de nosso herói a consciência da presença da platéia forçada e - por que não? - a esperança secreta de encontrar entre os passageiros do 175 alguém que desse o devido valor àquele talento vocal imcompreendido.
pois bem: esse fui eu.
fui eu, que acompanhei interessadíssimo as interpretações do cantor do coletivo - ou antes, A interpretação, visto que ele cantava todas as músicas exatamente da mesma maneira: passando rápido pelos graves, pra chegar logo aos agudos - que são o que interessa, não é mesmo? -, atacando estes últimos com vontade, prolongando as notas num gorgolejo doce, quase como um passarinho.
fosse Seo Antônio assoviador e não cantor, cairia certamente na categoria que o lendário Cláudio Chagas classificava de "velhos no banheiro": "você já reparou, Dimitri", dizia-me o Cláudio, "que os velhos não assoviam como nós? eles assoviam cheios de trinados, vibratos e floreios. quer ver, pode reparar quando você estiver num banheiro de parada de caminhoneiros, ou coisa assim, ouve só!". e era verdade.
MAS Seo Antônio era cantor e - acreditem na palavra deste fã - dos bons! ainda que eu tenha pensado que não aturaria um show inteiro daquela voz tremida. pensei em sugerir a ele que variasse a empostação. pensei em sugerir que gravasse um compacto duplo. pensei em me virar pra trás e me oferecer pra produzir e lançar o disco do Seo Antônio e os Joões. afinal eu piro rápido, e mesmo na praia havia trânsito.
outro ponto pitoresco em meu ídolo de ocasião era sua visão das letras; depois do samba, Seo Anthony apurou a garganta e mandou ver uma seleção de covers internacionais: temas de filmes, canções românticas melosas dos anos 80... a certa altura chegou no "now or never", clássico do Elvis, aquele com a melodia do "sole mio". vibrei. não tanto quanto as cordas vocais do rouxinol do buzum, mas vibrei.
e todas essas músicas eram mandadas num belíssimo embromation, um embromation austero, brioso - como não se faz mais, diria o Cláudio.
antes que chegasse meu ponto, para meu deleite, o legítimo canário voltou ao cancioneiro nacional, soltando os agudos na versão em Português de "fascinação" (aquela mesma que a Elis Regina gravou). quer dizer, em Português até certo ponto, pois nessa altura percebi que ele empregava nas letras em língua pátria o mesmíssimo expediente de embromation que usava nas gringas - adaptando apenas, e com maestria, é claro, a sonoridade dos fonemas-caô com que substituía partes desconhecidas das letras.
desconhecidas ou desprezadas: claramente Seo Antônio é desses músicos puristas, um artista da melodia, que não liga pra essas bobagens de letra de música - coisa de quem não tem ouvido. e ouvido o velho tinha, era muito afinado.
saltei do 175 com um pouco de pena (é, aqui no Rio a gente salta do ônibus, mesmo que esteja parado), inclusive porque bem nessa hora desabou um toró e eu cheguei encharcado na casa da Carol.
não me despedi do cantor do ônibus, que seguiu pelo engarrafamento à beira-mar, com certeza ainda achando que cantava só para si.
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PS: já que não tenho o link do Seo Antônio, vai o do Anthony gringo mesmo. o caro leitor por favor faça as necessárias adaptações.
http://www.myspace.com/antonyandthejohnsons
um beijo, Bel!
4 comentários:
Queria uma viagem assim pelo 175! Essas coisas não acontecem comigo... a trilha sempre é "Desculpe atrapalhar o silêncio da sua viagem, mas trago a Goiabinha que está de promoção, srs. passageiros...".
Como você, eu seria a platéia do Seo Antônio.
Bjo.
www.cecilia-borges.blogspot.com
Tem show do "homem"itself aí no dia 26. Aproveite por mim.
Mas não se esqueça dos lenços de papel e evite giletes, pontes e penhascos depois da apresentação.
:-)
Aliás, mando uma dica NADA a VER. Novo seriado madeinusa: Gossip Girl. Já está na rede, claro.
Um quê de O.C. (dos mesmos produtores). e é a versão seriado para os livros que fazem sucesso em todo o mundo da Cecily von Ziegesar, que esteve aí na BIenal do Livro. Alunos do último ano de uma superescola de Nova York, très chique.
Parece curioso. Vimos o primeiro só e estamos baixando o segundo.
Bjs
oi Bel!
1. valeu pela dica, acertadíssima - mas tanto que eu já tinha assistido o 1o capítulo. ;]
gostei, embora eu não goste de oc, não.
retribuindo, recomendo que baixem por aí "life as we know it" - i.e, se vocês não se importarem de ver uma série que foi cancelada no primeiro ano. você se apega, e só tem 12 capítulos...
2. Bel, Bel, é no Tim, né? tô duríssimo e nada lá me emocionou tanto assim. acho que vou marcar falta pelo primeiro ano desde sei lá que free jazz.
recentemente fui a dois shows INCRÍVEIS e bem diferentes entre si, ambos no eclético Circo Voador:
primeiro as 3 horas de duração do imortais blcak-farofeiros do Living Colour, e depois a fofura performática e as versões lindas pra músicas fodas do Nouvelle Vague (cara, se eles tocarem por aí, vão ver!).
em ambos os casos, a única companhia repetida foi minha amada irmãzinha Silvia.
(o resto da galera acho que é careta demais pra gostar das duas coisas hihihi.)
a explicação pra Silvia ser a única mais versátil do povo? ela mesma dá: "eu presto muita atenção no que meu irmão ouve", disse.
fofa!
:]
beijo beijo Bel, manda pra Tânia tb.
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