Maçã não é laranja

Maçã não é laranja
Minc, Camelo, Zelaya e a imprensa brasileira




Estuprador eleito
Há poucos dias, André Pulccinelli - governador (!) do Mato Grosso do Sul - se referiu publicamente ao ministro do Meio Ambiente Carlos Minc como um "veado fumador de maconha"; não satisfeito, emendou que, caso Minc aparecesse no MS para participar de uma meia-maratona ecológica, "o alcançaria e ele seria estuprado em praça pública".

"Eu o estupraria em praça pública". Simplesmente. Uma frase cuja abominável truculência fala por si.


Outra violência
Mas há nesse episódio outro participante que também apresentou uma conduta deplorável, e que talvez não tenha ficado tão evidente assim para todos.

Não, não me refiro ao ministro Minc: este apenas respondeu (primeiro com uma declaração irônica, e depois em nota oficial sem gracinha nenhuma) repudiando as inacreditáveis declarações do governador - que há muito encontra resistência do Ministério do Meio Ambiente a seus planos de lotear o Pantanal entre os plantadores de cana, e resolveu sair-se com essa.

Falo é de grande parte da imprensa brasileira que, indesculpavelmente, vem tratando o caso como "mais uma baixaria entre políticos" – querendo com isso pôr no mesmo saco uma ameaça de estupro (!) feita por um governador a um ministro, e a resposta (até ponderada) deste.

Areia no olho roxo
Não faz muitos anos Chorão, dublê de vocalista e dono da banda/marca Charlie Brown Jr., atacou o compositor Marcelo Camelo (então no Los Hermanos) a soco e cabeçada. No dia seguinte, não deu outra: os jornais só falavam em "briga de bandas"!

Compreensivelmente indignado (e de olho roxo), Camelo publicou uma carta aberta para dizer o óbvio: que não se tratava de uma briga, mas de uma agressão. "A matéria joga areia nos olhos do leitor e dissipa o foco da notícia", escreveu o cantor.

Jornaleiros do Havaí
Situações diferentes, mesma postura da imprensa - que, ao deliberadamente misturar alhos com bugalhos, tenta esvaziar a questão e diluir a culpa dos óbvios culpados. Pior: dividindo-a com as vítimas. E quase sempre com o intuito de desviar o foco do que realmente está em jogo - seja a associação de artistas a marcas comerciais ou o embate entre agronegócio e ambientalistas.

Os praticantes desse mau jornalismo de desinformação são os mesmos que - como numa canção de outra banda, os Engenheiros do Havaí - queriam igualar Fidel a Pinochet.

O golpe do golpe
Os mesmos que agora insistem, desde as primeiras notícias sobre o golpe em Honduras, em legitimar os golpistas – chamando-os de "governo oficial", dizendo que agiram "de acordo com a Constituição" e que "têm um mandado de prisão" para o deposto – e em pintar o presidente Zelaya como um populista destemperado de caráter dúvidoso, "amigo do Hugo Chávez".

Pode reparar: qualquer matéria da grande imprensa sobre o assunto repete essa cantilena (a despeito do repúdio  mundial ao golpe, num raro consenso). Pois, que Zelaya fosse o que alegam: nada disso torna o golpe menos golpe. É, mais uma vez, a areia nos nossos olhos, igualando as partes, desviando o foco, esvaziando a discussão.  

Divino maravilhoso
Disso tudo, caro leitor, vale tirarmos lição: não sejamos goiabas. Maçã não é laranja. Agredido não é agressor. Antes de igualar as partes ou desconsiderar a questão, devemos buscar o que realmente está em jogo. E é preciso estar atento e forte ao ler a grande imprensa nacional.


9 comentários:

Rafael Mantovani disse...

efeito tag!

Giorgio Seixas disse...

Dimitri, vou discordar de você em alguns aspectos.

Quando recebi a notícia do incidente em Honduras (uma nota num site qualquer de jornal), pensei "Ih, lá ve, outro daqueles eventos típicos de América Latina. Cliquei na chamada e li a notícia, que dizia que Zelaya tinha sido deposto pelo exército, por ordem da Suprema Corte, tinha sido extraditado (vivo) e o novo chefe de governo era o presidente do congresso... Êpa! – pensei – tem alguma coisa errada aí... pesquisei mais sobre o assunto e fui ler a Constituição de Honduras. Sum, Zelaya violou cláusula pétrea, sim a pena para o seu crime é a perda automática da condição de cidadão - fundamental para set presidente e, nesse caso, os tres vices ficam impedidos de assumir pois ele perde o direito de nomear um deles (continua...)

gioprgio seixas disse...

... continuando

A forma prevista na carta magna de Honduras (que é de 1983 e ninguém reclamou de nada até hoje) é de rito judicial com confirmação pelo congresso. Com exceção da extradição (Zelaya deveria ter sido preso), tudo aconteceu rigorosamente dentro da lei, inclusive a data das eleições continuaram marcadas para novembro, mas a retirada do apoio técnico da ONU ameaça agora o pleito. Veja o artigo 42 da constit. de Honduras, especialmente o parágrafo 5. Eu me dei ao trabalho de ler, coisa que posso garantir a maioria dos jornalistas, que dirá das pessoas não fez. Se a fosse um governo da dita "direita" a cair, todo mundo ia achar normal, mas sendo Zelaya um capacho de Chávez...
.
Sobre Fidel e Pinochet... bem, se vc acha que golpe é golpe, então eu acho que ditador assassino é ditador assassino. O comunismo e o socialismo (incluídas aí as vítimas do nazismo) já matou no mundo cerca de 100 milhões de pessoas desde 1917, de fome, assassinadas, presas, perseguidas etc.
Agora que você conhece a minha livre opinião sobre o assunto, pergunte ao Chirol, que me conhece, se eu sou troglodita ou gorila da direita. Eu defendo a liberdade, liberdade de expressão, liberdade econômica e o direito inalienável à vida. Radicalmente. E o socialismo/comunismo não combina com essas coisas, pelo menos eu ainda não fui apresentado a nenhum regime destes onde a imprensa seja respeitada, plural, a consciência das pessoas seja livre e elas prosperem de acordo com seu trabalho.

Podemos alongar o papo com um chopinho.

Abração,

Giorgio

Dimitri BR disse...

caro giorgio!

sempre bom receber tua visita. e pode discordar o quanto quiser, claro!

além do mais, sua discordância de certa forma até corrobora o ponto principal do post - de que o tratamento dado aos assuntos pela imprensa visa incutir pontos-de-vista sem assumi-los, pela confusão, e não pelo (esperado) esclarecimento.

o ideal seria que os jornalistas fizessem o que você fez: pesquisar, argumentar, posicionar-se com honestidade... e não é, infelizmente, o que acontece.

Dimitri BR disse...

os outros pontos mencionados por você, prefiro mesmo deixar pra aprofundar num possível chope.

e não preciso perguntar pro chirol: posso não conhecê-lo tão bem, mas conheço o suficiente pra saber que (a despeito do tamanho) você não é um troglodita, seja de direita, esquerda ou centro. :]

abraço!

Dimitri BR disse...

mantovani: tudo coisa desses veados maconheiros! =]

Dimitri BR disse...

giorgio, em tempo: não quis me estender sobre honduras pois, como disse, meu mote principal era a imprensa; mas, como você pareceu interessado, aqui vai um link esclarecendo a falácia do "golpe constitucional": http://blogln.ning.com/forum/topics/as-clausulas-petreas-e-as

o ponto básico é que o plebiscito NÃO pleiteava a reeleição: composto de apenas uma pergunta, consultava a população acerca da inclusão de uma urna extra nas eleições presidenciais - urna essa, por sua vez, para perguntar aos eleitores se eram favoráveis ou contrários à convocação de uma assembléia constituinte (ou seja: novamente a reeleição em si não seria aventada na votação, apenas a consituinte).

Dimitri BR disse...

ou seja: não tendo Zelaya pleiteado a reeleição - e sim, em primeira instância, a consulta sobre a consituinte - não afrontou o artigo contrário à simples defesa da idéia de reeleição; assim, não era aplicável "a perda automática de cargo público" - e portanto, quando foi seqüestrado e expulso à força do país, ele era o presidente da república!

vale notar o detalhe de que a consulta sobre uma eventual convocação de constituinte seria SIMULTÂNEA às eleições presidenciais; assim sendo, ainda que nas 2 consultas o eleitorado se mostrasse favorável às propostas de revisão da consituinte, a reeleição em si ainda teria que enfrentar o longo processo da assembléia - onde poderia até mesmo ser rejeitada.

finalmente, se após tudo isso ela fosse instituída, NÃO serviria para que Zelaya tentasse mandatos consecutivos, pois o sucessor de Zelaya teria sido escolhido antes mesmo de a consituinte iniciar os trabalhos!

Dimitri BR disse...

é como eu disse, caro giorgio: MUITO CUIDADO AO LER A GRANDE IMPRENSA.

na maioria dos casos não temos evidências tão fortes para desconfiar da "versão oficial". a que me refiro? você acha que ONU, EUA e OEA e etc. não aproveitariam uma brecha como a do "golpe constitucional" para retirar seu apoio, fosse ela válida?