no carnaval por um instante eu acredito

janela para a Guanabara:
o céu escuro da noite empalidece
azul-clareando por entre as nuvens
acima do Pão-de-Açúcar

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cinco e meia da manhã de quarta-feira
uma semana exata desde a quarta-feira
de cinzas
das cinzas de um carnaval
inesquecível

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Se é verdade que

às vezes eu tenho vontade de parar de fazer música

- e é verdade -

naquele domingo do Carnaval de 2006
eu não podia ter mais certeza de que valia a pena fazer música.

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eu estou chorando agora.

não é muito comum isso - nem o fato, nem o relatar o fato.

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eu não sei explicar com precisão minha relação com a música.

mas trata-se agora de como a minha relação com a música transforma a minha relação com o mundo

- com as outras pessoas (o mundo).

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eu quero agradecer aos egípicios
Silvia
Serginho
Menor
Palazzi
Dani
Alfredo

e à baiana
(paraense)
Marina

porque eu não lembro de ter tido muitos dias tão bons como aquele, tão felizes de um modo pacífico e simples.

(tem mais gente que leva esse agradecimento, o Minucci, mais gente, mas não é bem um agradecimento; é porque vocês compartilharam, estavam lá e sabem do que eu estou falando, e porque muitas vezes eu não expresso esse tipo de sentimento com muita clareza. hehe, estou até encabulado.)

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eu não tenho como explicar o que eu senti quando a gente chegou na "filial do barracão", a casa do presidente da Escola - a Mocidade dos Cajueiros, de Macaé, para o leitor desavisado -, uma grande casa em permanente construção, novos cômodos acrescentados sem cerimônia, num projeto quase escheriano, a alvenaria ainda aparente do segundo andar inacabado,

e nos vimos embrenhados naquela miríade de pessoas, plumas, lantejoulas, tecidos, materiais e ferramentas diversas,

e eu vi a cara dos que conhecem bem esse ambiente

e a expressão dos que nunca tinham presenciado aquela loucura

e escolheram (ou o Alfredo escolheu ;] e a Marina, sua baiana sonhada) fantasias, e as provaram, e ficaram lindos

e um menino gordinho figuríssima que transitava por entre aquele "estranho festival" de repente começa a cantar, igualzinho na gravação oficial:

"Alô, Mocidade dos Cajueiros! Caminhar no Céu / com os pés no chão..."

nessa hora a Marina me fez um sinal bem discreto (bem, tão discreto quanto ela, ainda mais prestes a se tornar uma baiana, consegue ser), mas eu claro que já estava ouvindo, atento, mas nem me mexia e olhava de canto de olho, vai que o moleque percebe que está sendo observado, acha estranho e resolve parar de cantar?

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bem depois a Marina me relatou o seguinte diálogo:

Marina (apontando pra mim, que ia saindo) - ele ficou muito contente de te ver cantando o samba.
Gordinho Figura - ele? por quê?
M. - porque ele que fez o samba.
G.F. - aquele barbudo?!

hahahahaha, ela disse que o moleque ficou muito espantado.

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e depois quando a gente chegou no "sambódromo" local - novo, com ótima infra-estrutura, a prefeitura de Macaé resolveu investir a verba oriunda do petróleo em Carnaval, parece; o local era ótimo, a entrada era franca (estava cheio!), o sistema de som era ótimo (inacreditável isso; tinha até dois carros de som, como aqui no Rio, para que, enquanto o carro que desfilou ainda estiver no final da avenida, o outro já esteja na concentração, com a escola seguinte)

- e quando nos aproximávamos, já todos fantasiados, começou a tocar o samba nos alto-falantes da avendida!

[abro um colchete pra mencionar: hoje à tarde estive com a egípcia e experiente foliã Silvia e, enquanto trabalhávamos para terminar sua tese de mestrado em Lingüística (é uma foliã acadêmica), passava nas tevês um filme muito bonito: The Wonders. agora, lembrando desse momento em que o samba começou a tocar, nossa surpresa e júbilo naquela hora me remeteram à cena do filme na qual a música dos Wonders - "that thing you do" - toca pela primeira vez no rádio, e todos os integrantes (mais a Liv Tyler!) começam a correr freneticamente, para avisar uns aos outros, e depois de juntos, ficam lá dançando em roda, bobos, ouvindo a música que eles tinham feito, gravado, e tocado inúmeras vezes...]

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e ainda a catarse final:

o desfile.

cantar durante 50 minutos a mesma música, sempre com mais vontade, mais forte quanto mais cansado, andar sambando junto com o carro de som, tendo à frente o Inácio, puxador que gravou o samba, exortando a escola e a arquibancada cheia, e ao lado o terceiro puxador, um cara muito legal, novinho, bom cantor, cujo nome infelizmente eu não aprendi, mas que foi meu cúmplice mais próximo naquele percurso inacreditável, e logo atrás o violonista presepeiro e o cavaquinista sério

e mais à frente - a bateria! que interagia conosco, que sublinhava e respondia e parava e voltava com o tempo da nossa voz.

e ver, no finalzinho, a Marina passar com a ala das baianas em frente ao carro de som, já parado no recuo da bateria, e cantar "ô mas que bonito é / as baianas a girar..."

e depois ouvir os relatos dos egípcios que - eu sabia o tempo todo! - estavam lá na frente, ver o brilho nos olhos da Dani, do Palazzi, logo após o desfile, ouvir as impressões de cada um e ver os sorrisos de todos...

(e saber que tinha sido diferente pra cada um, e intenso e divertido e bonito de um jeito diferente pra cada um.)

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só fazendo uma pausa pra respirar.

mas eu já disse o que vim dizer; hoje não vim explicar muito.

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e ainda teve "happy end": Cajueiros foi vice-campeã, e subiu do grupo de Acesso para o Especial.

[não que precisasse, rrrs. mas ficamos felizes com isso também. senti que combinou com o resto :]

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O Céu e os Astros têm mistérios infinitos
que o homem não pode alcançar
no Carnaval por um instante eu acredito
poder entre as estrelas caminhar

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já nasceu o dia.

beijos a todos os supracitados

e à Graziela e até

ao Fernando :P

- co-autores legítmos que são do belo samba que nos proporcionou tanta alegria.

(quem quiser pode ouví-lo e/ou baixá-lo aqui)

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"A canção popular pode dar às pessoas algo mais que a distração e o deleite. Pode ajudá-las a compreender melhor o mundo onde vivem, e a se identificar num nível mais alto"

[Nara Leão, na contracapa de seu 2o LP,
("Opinião de Nara", de 1964), aos 22 anos de idade]

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bons dias paratodos


6 comentários:

Anônimo disse...

que lindo!

Anônimo disse...

aí, eu choro tb... por tanta coisa, meu amigo. meu amigo, meu herói das estrelas.

um beijo.

Anônimo disse...

lindo, lindo!

Anônimo disse...

dimi, que lindo.
ler foi um arraso, estar lá, nem imagino.
você é o meu cantor favorito.

beijo.

Dimitri BR disse...

!

:]

Anônimo disse...

oi